O rosto de meu pai
Carlos Gondim
Tinha a barba espessa, densa, que ao roçar em minha pele dava a nítida impressão de que se tratava de uma lixa, daquelas de passar em madeira. Ele fazia isso de vez em quando, na hora em que eu me aproximava dele pra receber algum carinho. E aquela aspereza repentina me fazia sorrir. Sentia cócegas.
Um sinal de que não era uma verruga, mas salientava em seu rosto próximo do nariz, me chama a atenção também. Mais ainda quando enfermo, deitado em sua cama, ele coçava com seus dedos ou, quando não conseguia fazer isso, pedia pra que eu coçasse. Ele enrijecia a face e eu, em movimentos de vai e vem com meu dedo indicador, passava a unha sobre o sinal. Ele sorria e fechava os olhos como se aliviado ficasse.
Seu rosto jovem, à cabeça um capelo, aquele chapéu de formando. Era o seu retrato no dia de sua formatura em odontologia, emoldurado, ocupando um espaço nobre na sala de sua casa. Quem o via virava o olhar pra mim e dizia, invariavelmente: "É a cara do pai!". E eu cresci ouvindo de vez em quando essa frase...
Voltando à barba espessa do rosto de meu pai, lembro-me de que ele fazia um ritual diário. Naquele tempo não havia barbeador descartável. E a lâmina mais famosa era a Gillette, que passou a identificar o próprio objeto cortante. Ele pegava um copo de vidro, cuja superfície interna era lisa, pegava a "gilete" entre os dedos da mão direita, e em movimentos leves, a deslizava sobre o vidro. Assim, fazia a amolação diária da lâmina cuja vida útil durava meses e meses. O aparelho onde a "gilete" era colocada também era todo desmontável. E ele, cuidadosamente, verificava suas partes, as lavava e guardava no armário do banheiro. Postava-se em frente ao espelho e em movimentos lentos e cuidadosos ele fazia a barba. Acho que era nesses momentos anteriores de fazer a barba que ele brincava comigo roçando seu rosto em mim.
Seu rosto não era sisudo. Ria com moderação e quando fazia isso seus olhos brilhavam intensamente. A boca escancarava mostrando seus dentes bem cuidados. Dizia: "Acho-te uma graça!"
Rugas, as teve sim. Mas não chamava a atenção. Só eram percebidas quando ralhava com alguma estripulia que a gente fazia, ou mostrando desagrado com alguma situação ou fato.